Nação Dopamina: Como Recuperar-se do Consumo Compulsivo

No livro “Nação Dopamina”, a psiquiatra Anna Lembke explora como a neurociência explica o comportamento compulsivo e oferece estratégias para retomar o controle da nossa vida. Especialista em vícios, Lembke revela como a dopamina, o neurotransmissor do prazer, afeta nossas escolhas e nos deixa insatisfeitos.

Neste artigo destacamos os principais pontos levantados ne best seller de Anna Lembke para entender como equilibrar prazer e bem-estar nos dias de hoje.

Somos Viciados em Prazer

Vivemos cercados por abundância, onde, com um simples clique, podemos adquirir quase tudo: roupas, alimentos, entretenimento e até drogas. Esse excesso de estímulos ativa nosso sistema de recompensa através da dopamina, neurotransmissor que nos motiva e nos faz sentir prazer.

No entanto, essa sensação é passageira, criando um ciclo de busca por mais. Um exemplo é o desejo de assistir “só mais um episódio” ou comer mais um doce.

Com base em estudos científicos e relatos de quem enfrentou o vício, é possível encontrar equilíbrio entre prazer e dor. Entender esse mecanismo é o primeiro passo para superar o consumo compulsivo e levar uma vida mais harmoniosa.

Quando pensamos em vício, imaginamos cenas extremas, como dependentes químicos, mas a realidade do vício é muito mais ampla. Na sociedade atual, somos bombardeados por estímulos que ativam nosso sistema de recompensa, levando-nos a buscar constantemente prazeres acessíveis.

Seja por meio de tecnologia, como smartphones e videogames, ou de comportamentos mais sutis, como a leitura compulsiva de livros de romance, muitos de nós nos tornamos dependentes dessas pequenas doses de prazer. O vício se define pelo uso contínuo de algo, mesmo reconhecendo os danos que ele pode causar.

A facilidade de acesso a esses estímulos intensifica o problema. Alimentos ultraprocessados e plataformas digitais são projetados para nos manter presos em um ciclo de busca de prazer.

Com isso, a busca incessante pela dopamina, neurotransmissor que nos faz sentir bem, está nos deixando, paradoxalmente, mais vulneráveis à dor e ao sofrimento.

A economia do prazer, onde tudo é rapidamente acessível, está nos transformando em viciados modernos, consumindo cada vez mais e, ao mesmo tempo, sentindo menos satisfação.

A Ironia de Fugir do Sofrimento

No passado, a dor era vista como parte do processo de cura. No século XIX, cirurgias eram feitas sem anestesia, acreditando-se que o sofrimento ajudava o corpo a reagir.

Hoje, a medicina adota uma abordagem oposta, buscando eliminar qualquer desconforto. Isso levou ao aumento do uso de medicamentos, com um em cada quatro americanos tomando remédios psiquiátricos diariamente e o uso de antidepressivos, opioides e sedativos crescendo de forma alarmante.

Nossa sociedade, em busca constante de evitar até os menores desconfortos, recorre a distrações como drogas, tecnologia e entretenimento.

Sophie, uma estudante de Stanford, exemplifica essa realidade. Ela passava o tempo todo no celular, tentando evitar o tédio e a introspecção, o que apenas piorava sua ansiedade e depressão. Ao se afastar das distrações, permitimos que nossas mentes reflitam sobre nossas vidas e propósitos.

Ironicamente, ao tentar escapar da dor, acabamos piorando nosso sofrimento. Estudos mostram que, apesar de vivermos em um período de grande progresso, a felicidade global tem diminuído. Países mais ricos, como EUA e Japão, apresentam maiores taxas de ansiedade e depressão.

Para entender por que estamos mais infelizes, precisamos explorar como prazer e dor funcionam em nossos cérebros – e perceber que evitar o desconforto a todo custo pode nos prejudicar ainda mais.

Prazer Inevitalmente Leva à Dor

Anna Lembke, viciada em romances sobrenaturais, leu a saga Crepúsculo quatro vezes. No entanto, a satisfação diminuiu a cada leitura, até que o prazer desapareceu completamente. Esse ciclo ilustra bem o equilíbrio entre prazer e dor no cérebro.

As regiões cerebrais responsáveis por processar esses sentimentos estão interligadas, e sempre que experimentamos prazer, o cérebro busca compensar, levando-nos inevitavelmente à dor.

Esse efeito é muitas vezes sentido como desejo – o impulso de consumir mais para tentar prolongar o prazer. Isso acontece devido à neuroadaptação, um fenômeno no qual o cérebro desenvolve tolerância ao estímulo prazeroso, reduzindo a sensação de satisfação e aumentando a dor.

É o que faz com que viciados aumentem suas doses e busquem estímulos cada vez mais fortes, até que a balança pende para o lado da dor, gerando um déficit de dopamina e uma sensibilidade maior ao sofrimento.

Por mais que o vício induza esse ciclo de dor, há esperança. Com o tempo, se resistirmos à tentação de buscar mais estímulos, o cérebro volta ao equilíbrio natural, permitindo-nos sentir prazer novamente de forma saudável.

Embora o processo seja mais longo para aqueles que sofrem de vícios intensos e prolongados, o cérebro pode criar novos caminhos para evitar as áreas danificadas, ajudando a fazer escolhas mais saudáveis e rompendo o ciclo de prazer e dor.

A Abstinência Traz Clareza

Nossos cérebros evoluíram para um mundo de escassez, mas vivemos hoje em uma realidade de abundância, o que desequilibra nossa capacidade de sentir prazer e nos torna mais vulneráveis à dor. O desejo constante por mais nos deixa insatisfeitos, prejudicando nossa capacidade de apreciar o prazer. Então, como podemos corrigir esse desequilíbrio?

Uma lição valiosa vem daqueles que sofreram com o vício. Segundo o filósofo Kent Dunnington, viciados são “profetas contemporâneos”, pois, ao se recuperar, desenvolvem uma sabedoria relevante em uma sociedade de consumo compulsivo.

O primeiro passo para obter clareza é parar de usar o que nos prende. A abstinência, como no caso de Delilah, que fumava maconha diariamente para lidar com a ansiedade, é fundamental para redefinir os caminhos de recompensa do cérebro.

A abstinência, além de reduzir a ansiedade, traz insights profundos. Após um mês sem maconha, Delilah percebeu que sua vida estava organizada em torno do vício, e com a droga fora de cena, ela conseguiu aproveitar a vida novamente.

Esse período de pausa revela a verdadeira fonte do sofrimento e ajuda a recuperar o equilíbrio emocional.

A Verdade Liberta e Aproxima

Maria, uma alcoólatra em recuperação, descobriu o poder transformador da verdade após mentir para seu irmão. Ela abriu um pacote destinado a ele e, quando confrontada, mentiu, passando a noite em claro, atormentada pela culpa.

No dia seguinte, decidiu contar a verdade e pedir perdão, o que aliviou seu peso emocional e ajudou a aproximá-los. Esse episódio mostrou a Maria o impacto que a honestidade pode ter em suas relações e em seu processo de cura.

A prática da honestidade radical é um pilar não apenas de religiões, mas também de programas de recuperação. Ao admitir nossas falhas e falar a verdade em voz alta, nos tornamos mais conscientes de nossos comportamentos automáticos e compulsivos. Isso nos ajuda a enxergar nossas ações sob uma nova perspectiva, promovendo responsabilidade e uma regulação emocional mais equilibrada.

A pesquisa sugere que a honestidade pode estimular o córtex pré-frontal, a área do cérebro responsável por decisões e controle emocional, o que contribui para uma vida mais consciente e saudável.

Embora muitas vezes temamos expor nossas falhas, acreditando que isso afastará as pessoas, a vulnerabilidade tem o efeito contrário. Mostrar nossas imperfeições nos torna mais humanos e cria uma conexão genuína com os outros, que muitas vezes compartilham dos mesmos medos e fraquezas.

Essa troca de verdades gera intimidade e segurança, nos fazendo sentir menos sozinhos e mais confiantes em nossas relações e em nossa jornada de cura pessoal.

Nossa cultura se tornou mais consciente dos malefícios da vergonha destrutiva, como body shaming e humilhações nas redes sociais. Sabemos que esse tipo de vergonha pode isolar e perpetuar comportamentos prejudiciais.

No entanto, a vergonha tem um papel importante na construção de comunidades quando usada de forma adequada. Para muitos alcoólatras e viciados, a vergonha por suas ações é inevitável, mas o modelo de “vergonha prosocial” adotado por Alcoólicos Anônimos oferece uma abordagem mais compassiva.

A Vergonha Prosocial nos Dá a Humildade que Precisamos

No AA, comportamentos vergonhosos são recebidos com compreensão, permitindo oportunidades de redenção. Esse ambiente de aceitação, baseado na honestidade, ajuda as pessoas a reconhecerem suas falhas sem o medo de ostracismo.

Um exemplo é Lori, que encontrou apoio no AA depois de ser rejeitada por sua igreja. Ao compartilhar suas dificuldades, ela finalmente sentiu que não estava sozinha, recebendo a dose de humildade necessária para o crescimento pessoal.

A vergonha prosocial promove a humildade e nos une aos outros. O processo de “desvergonha” vivido por membros do AA, como o mentor de Lembke, mostra como a honestidade e a compaixão podem transformar vidas. Ao reconhecer nossas falhas e buscar fazer as pazes, desenvolvemos uma compreensão mais profunda de nós mesmos e dos outros, criando um ciclo de compaixão e apoio que nos fortalece.

Conclusão

Vivemos em uma era onde tudo está ao alcance de um clique, mas essa abundância está nos levando a um ciclo vicioso de busca por prazer e alívio imediato.

Ao compreender como o consumo compulsivo afeta nosso cérebro e nos deixa presos entre o prazer e a dor, podemos começar a traçar o caminho para a recuperação. Práticas como a abstinência, a honestidade radical e a vergonha prosocial nos ajudam a reconectar com nossa essência e encontrar equilíbrio em nossas vidas.

Para aqueles que se identificam com esse ciclo e buscam um entendimento mais profundo do vício em prazer, recomendo o livro “Nação Dopamina”, de Anna Lembke. Nele, você encontrará uma análise detalhada de como a dopamina, a neurociência e as práticas de recuperação podem nos ajudar a viver de forma mais consciente e equilibrada.